A Portugal
Esta é a ditosa pátria
minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não
merece.
Nem minha amada, porque é
só madrasta.
Nem pátria minha, porque
eu não mereço
A pouca sorte de nascido
nela.
Nada me prende ou liga a
uma baixeza tanta
quanto esse arroto de
passadas glórias.
Amigos meus mais caros
tenho nela,
saudosamente nela, mas
amigos são
por serem meus amigos, e
mais nada.
Torpe dejecto de romano
império;
babugem de invasões;
salsugem porca
de esgoto atlântico;
irrisória face
de lama, de cobiça, e de
vileza,
de mesquinhez, de fatua
ignorância;
terra de escravos, cu pró
ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau
do Encoberto;
terra de funcionários e de
prostitutas,
devotos todos do milagre,
castos
nas horas vagas de doença
oculta;
terra de heróis a peso de
ouro e sangue,
e santos com balcão de
secos e molhados
no fundo da virtude; terra
triste
à luz do sol calada,
arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os
estrangeiros
que deixam moedas e
transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela
Europa;
terra de monumentos em que
o povo
assina a merda o seu
anonimato;
terra-museu em que se vive
ainda,
com porcos pela rua, em
casas celtiberas;
terra de poetas tão
sentimentais
que o cheiro de um sovaco
os põe em transe;
terra de pedras
esburgadas, secas
como esses sentimentos de
oito séculos
de roubos e patrões,
barões ou condes;
ó terra de ninguém,
ninguém, ninguém:
eu te pertenço. És cabra,
és badalhoca,
és mais que cachorra pelo
cio,
és peste e fome e guerra e
dor de coração.
Eu te pertenço mas seres
minha, não.
Jorge de Sena